Costumo dizer que Berlim é um mosaico arquitetônico, onde cada fragmento conta uma história e revela uma ideologia. Trata-se de um conjunto de ideias que prevaleceu ou foi imposto em diferentes momentos da história e se materializou na arquitetura. A cada nova era, espaços herdados do passado eram destruídos ou forçados a ceder lugar ao novo, que se inseria, muitas vezes abruptamente, ao lado dos elementos já consolidados da cidade. Esse processo, sempre marcado por rupturas, também simbolizava o renascimento de um novo tempo.
Cada período histórico deixou suas marcas visíveis na arquitetura e na paisagem urbana. A paisagem arquitetônica de Berlim reflete sua história complexa e as transformações ao longo dos séculos. No século XIX, a industrialização impulsionou seu crescimento. No início do século XX, o modernismo e a Bauhaus influenciaram sua estética. Durante o regime nazista, a cidade recebeu projetos monumentais, fortemente marcados pelas ideologias impostas no período. Após a Segunda Guerra Mundial, a divisão entre Berlim Oriental e Ocidental gerou estilos distintos: o leste priorizou a habitação coletiva, enquanto o oeste focou na modernização. Com a reunificação, em 1990, iniciou-se um intenso processo de reconstrução e integração, buscando equilibrar modernidade e memória histórica, especialmente em áreas marcadas pelo antigo Muro de Berlim.
Um exemplo que materializa e resume tudo isso é o conjunto de edificações no terreno entre a estação de trem Alexanderplatz e o Fórum Marx-Engels.
Segundo a professora Gabi Dolff-Bonekämper (TU Berlin), a área teve sua estrutura urbana moldada desde a Idade Média até a Segunda Guerra Mundial. O desenho atual deriva dos planos da RDA (Alemanha Oriental), pois essa região fazia parte do centro político da cidade. Na reconstrução do pós-guerra, demoliram-se até edifícios sobreviventes para implantar um plano urbano ortogonal.
Hoje, ao verem a Prefeitura Vermelha (a Rotes Rathaus, edifício de tijolos marrons-avermelhados que abriga a sede da administração municipal de Berlim), a Torre de TV (Fernsehturm — cujo projeto foi inspirado no satélite Sputnik) e a Igreja de Maria (Marienkirche), muitos pensam que essas construções permaneceram ali por acaso. Mas não. Elas foram mantidas de forma planejada, para representar três épocas marcantes da cidade. A Torre de TV foi posicionada entre as outras duas para simbolizar a era da RDA, que, apesar de ter durado menos de 30 anos, parecia que duraria muito mais.
“A Igreja de Maria foi construída entre os anos de 1270 e 1300. Ela foi a igreja de Martinho Lutero antes da Reforma. Hoje, é uma igreja protestante e neste conjunto ela representa o longo período medieval.”
A Prefeitura Vermelha foi construída entre os anos de 1861 e 1869. Apesar de ter sido inaugurada dois anos antes da fundação do Império Prussiano, ela representa muito bem o período imperial.
A Torre de TV, de 1969, representa o início da grande era tecnológica da RDA, marcada pelo lançamento do satélite Sputnik pela União Soviética em 1957, o primeiro satélite desenvolvido pelo programa espacial soviético e também o primeiro satélite artificial a orbitar a Terra.
Maristela Pimentel Alves, 2025